Ainda que as notícias mais recentes nos tragam a grande dificuldade, tanto no Governo Estadual como no Federal, de aprovação da nova sistemática de tributação das heranças e doações proposta, é fato que mudanças devem acontecer no Brasil nessa área. Isso é só uma questão de tempo.
No atual panorama, o Governo sufocado elabora um ajuste fiscal de forma indiscriminada, “atirando” para todos os lados a fim de elevar sua arrecadação, tendo agora sua mira direcionada para a tributação sobre as heranças e doações. Observa-se a extrema relevância para se utilizar de meios legais para um planejamento sucessório que oferte a menor oneração do ponto de vista tributário quanto operacional, haja vista que o Confaz aprovou o encaminhamento de minuta de resolução ao Senado com proposta de elevação da alíquota máxima do ITCMD de 8% para 20%.
A alíquota máxima da tributação sobre herança e doações prevista pela Constituição Federal é de 8%, sendo uma das menores do mundo. Conforme levantamento elaborado por consultorias especializadas, a tributação média praticada pelos estados brasileiros é de 3,86%. Apesar de previsto o máximo de 8%, poucos estados utilizam esse patamar, o que causa acarreta maior preocupação. Os estados possuem autonomia e legitimidade para majorar a tributação até 8% sem qualquer necessidade de aprovação no Congresso. Caso os estados decidam pelo aumento a nova tributação passa a vigorar em 90 dias.
Numa possível aprovação do projeto, a alíquota será elevada em 16 pontos percentuais, aumentando de maneira considerável a arrecadação dos Governos, podendo atingir aproximadamente absurda alíquota de 20%. Neste cenário, torna-se fundamental a elaboração de um planejamento sucessório. Efetuada a sucessão ainda em vida e antes de qualquer alteração nas alíquotas, a família estará evitando que a majoração seja aplicada sobre a transferência do patrimônio no momento “causa mortis”.
O planejamento sucessório estruturado neste momento permite aproveitar as alíquotas atuais e favoráveis do ITCMD, sendo um antídoto contra a incerteza tributária. Além de preparar a transmissão do patrimônio evitando conflitos entre herdeiros, a implantação desse mecanismo é uma saída preventiva contra esse anunciado aumento do imposto sobre herança, visto a existência do binômio “possibilidade/necessidade”. Podemos afirmar que é grande a probabilidade da aprovação do projeto, tendo em vista a necessidade do governo de arrecadação e o baixo patamar das alíquotas brasileiras.
Ainda que por uma motivação menos relevante, temos visto que o anúncio da possível nova sistemática de tributação da herança, que pode sair dos atuais 4% para até 20%, proporcionou o impulso que faltava para que o tema antecipação da sucessão comece a estar presente no almoço de domingo de algumas famílias.
O Brasil ainda é um verdadeiro “paraíso fiscal” no tema tributação da herança, pois possui uma das menores alíquotas do mundo. Contudo, essa realidade, frequentemente utilizada como argumento para defesa de aumento desse tributo, só é possível porque o nosso sistema tributário, por outro lado, possui uma das maiores tributações sobre consumo, conforme demonstra o quadro abaixo.
Fonte: EY
País |
Imposto sobre herança e doação | Imposto sobre Consumo | |
Médio | Máximo | ||
Índia | 0,00% | 0,00% | 38,00% |
Brasil | 3,86% | 8,00% | 28,70% |
Suécia | 0,00% | 0,00% | 25,00% |
Chile | 13,00% | 25,00% | 19,00% |
Inglaterra | 40,00% | 40,00% | 16,00% |
França | 32,50% | 60,00% | 15,40% |
Itália | 6,00% | 8,00% | 15,30% |
Canadá | 0,00% | 0,00% | 14,70% |
Rússia | 0,00% | 0,00% | 13,10% |
México | 0,00% | 0,00% | 12,90% |
Alemanha | 28,50% | 50,00% | 12,70% |
Austrália | 0,00% | 0,00% | 12,00% |
China | 0,00% | 0,00% | 11,80% |
Suíça | 25,00% | 50,00% | 8,00% |
EUA | 29,00% | 40,00% | 5,80% |
Japão | 30,00% | 50,00% | 5,30% |
O fato é que as famílias brasileiras, principalmente as empresas familiares construíram o patrimônio a duras penas, pagando uma alta tributação sobre o consumo, e agora, quando se aproxima o momento de partilhar o que foi acumulado com os herdeiros, o governo brasileiro propõe mudar a regra do jogo, podendo abocanhar 20% do patrimônio acumulado ao longo de uma vida.
Outro fato relevante é que esse novo patamar de imposto sobre a herança levará muitas famílias a uma dificuldade gravíssima no momento do pagamento do imposto. Se o imposto sobre a herança vier a ser de até 20% sobre o total do patrimônio a partilhar, calculado sobre o valor de mercado dos bens, como fazer para pagar a parcela dos 20% sobre bens que não tem liquidação financeira?
Para melhor ilustrar essa preocupação, veja-se, por exemplo, a situação de duas famílias com patrimônios muito distintos, mas que podem vir a enfrentar o mesmo problema:
Descrição dos Bens a partilhar – Valores Atualizados | ||
FAMÍLIA – A | FAMÍLIA – B | |
Bens Imóveis | 10.000.000,00 | 2.000.000,00 |
Automóveis | 300.000,00 | 700.000,00 |
Ações/quotas sociais – Patrimônio Liquido | 0 | 100.000.000,00 |
Dinheiro e aplicações financeiras | 150.000,00 | 5.000.000,00 |
(=) Total do Patrimônio | 14.500.000,00 | 107.700.000,00 |
Possível Imposto | 2.900.000,00 mais honorários advocatícios e custas judicias | 21.540.000,00 mais honorários advocatícios e custas judicias |
A conclusão que podemos chegar é a de que, independentemente do tamanho do patrimônio envolvido, é muito provável a ocorrência de indisponibilidade financeira para o pagamento do novo imposto, tendo em vista que esse valor deve ser pago pelos herdeiros, e sem sua quitação o inventário não se encerrará, ficando todos os bens vinculados ao processo.
Especialmente no tocante a divisão de imóveis e participações societárias, a situação se agrava. Tendo em vista que esses bens não possuem liquidez financeira imediata, é comum em casos de imóveis tentar-se a alienação dentro do processo do inventário, e as participações societárias pedida a apuração dos haveres. Sendo assim, a família passará por um complexo processo de sucessão, sendo que muitas vezes o período discorrido para a regularização ocasionará perda de valor no tocante aos imóveis e redução da disponibilidade financeira (caixa) na empresa, tenho em vista a necessidade do pagamento de haveres do sócio falecido.
Nos países em que a tributação sobre a herança já ocorre em patamar similar ao que pode vir a ser implementado no Brasil, existem vários mecanismos e incentivos fiscais que para as pessoas realizarem as transferências patrimoniais ainda em vida, diferentemente do Brasil, que a maioria esmagadora dos processos de sucessão são realizados perante o Poder Judiciário, ficando sujeitos a toda a morosidade judicial. Também em outros países onde a tributação sobre heranças são maiores, existe um limite de isenção bem maior que o praticado no Brasil. Em alguns estados dos EUA por exemplo patrimônio que giram em torno de 5 a 7 milhões de reais são isentos de tributação. No Brasil a limite de isenção não passa de 100 mil reais. Então, quando o Governo para justificar o aumento diz que o Brasil possui as menores alíquotas do mundo sobre herança e doação devemos analisar todos os contextos, e não acreditar nesse fato de forma automática.