Os planos de previdência privada PGBL/VGBL são vendidos por instituições financeiras aos clientes como uma forma segura de planejamento sucessório. Os aspectos sucessórios e suas regras são desconhecidas pelos agentes financeiros, que focam nas vantagens tributárias do produto e as vezes, mesmo que por ignorância das regras constituem planos contrários as regras sucessórias previstas no Código Civil. Neste cenário, inclusive, existem casos que a essência desse produto vem sendo desvirtuada. Herdeiros/Patriarcas estão utilizando-se de planos de previdência para fraudar a legitima dos herdeiros necessários.
Os casos já começaram a chegar nos Tribunais, e as decisões variam de acordo com o fato concreto, todavia, pendente para a tese que ao ferir a legitima o plano perde sua natureza securitária e engloba a natureza de aplicação financeira, devendo-se os valores investidos retornarem ao monte-mor e ser partilhado entre todos os herdeiros, e não somente entre os beneficiários.
Deste modo, herdeiros que ficaram fora da lista de beneficiários de planos de previdência privada, como o VGBL, têm buscado o Judiciário para incluí-los na partilha normal de bens. Como regra geral, um plano de previdência privada não faz parte da herança por ter natureza de seguro de vida, conforme o artigo 794 do Código Civil. Assim, o montante contratado pode ser direcionado de forma automática aos beneficiários escolhidos pelo comprador do plano.
O conflito surge quando herdeiros não beneficiados sentem-se prejudicados em seus direitos e movem ações judiciais com a tese de que tais seguros são meras aplicações financeiras e, portanto, seriam bens que compõem o patrimônio do espólio e deveriam ser divididos entre todos os herdeiros. O assunto ainda é novo, mas já existem decisões no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e algumas ações já alcançaram o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O artigo 79 da Lei nº 11.196/2005 permite que os beneficiários de planos de previdência privada (PGBL ou VGBL) resgatem a totalidade das quotas do benefício ou optem por seu recebimento continuado, independentemente da abertura de inventário. Nos tribunais, contudo, essa previsão tem sido interpretada com as regras da sucessão, estabelecidas no Código Civil, especialmente as que tratam da reserva da legítima aos herdeiros necessários.
Os questionamentos por parte dos filhos sobre a destinação dos planos de previdência privada são possíveis desde o antigo Código Civil. Desde o Código de 2002, entretanto, os cônjuges também podem questionar a configuração de um plano de previdência privada. Isso porque passaram a ser herdeiros necessários e a ter direito à metade do patrimônio em caso de falecimento.
Para decidir esse tipo de conflito, os juízes analisam a natureza da compra do produto previdenciário. A jurisprudência vem adotando entendimento no sentido de verificar se houve afronta à regra da preservação da legítima dos herdeiros por meio da constituição do VGBL ou PGBL.
Ou seja, se o contratante transmitiu para a previdência privada valor superior do que a lei permite, ou 50%, o TJ-SP vem decidindo pela descaracterização do plano como um seguro de vida e, sendo uma aplicação financeira, obriga a partilha dos valores entre todos os herdeiros. A mesma linha de raciocínio é aplicada nos poucos julgados do STJ (processo nº 947.006).
Em um dos acórdãos, da 1ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP (2034728-43.2017.8.26.0000), uma viúva beneficiária de um plano VGBL foi condenada a incluir o montante na partilha. No recurso interposto contra a decisão de primeiro grau, que pedia a inclusão do valor na divisão dos bens, a beneficiária sustentou que as aplicações em fundos de previdência privada têm natureza securitária e, como tal, não integram a herança, não cabendo partilha. Invocou o artigo 794 do Código Civil e cita precedentes favoráveis à tese apresentada.
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Inventário – Determinação de retificação das declarações para inclusão dos valores existentes em nome da inventariante (esposa) em previdência privada (VGBL) – Insurgência da parte sob alegação de que se trata de bem particular, de natureza securitária, excluído da sucessão – Decisão mantida – Afastamento da alegação absoluta do caráter securitário – Necessidade de aferição da natureza da verba, que pode atuar como simples aplicação financeira, caso em que sujeita ao regime geral dos bens comuns, inclusive reconhecimento da meação e partilha. Recurso desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2034728-43.2017.8.26.0000; Relator (a): Enéas Costa Garcia; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 3ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 18/09/2017; Data de Registro: 18/09/2017).
Em seu voto, o relator, desembargador Enéas Costa Garcia, entendeu tratar se de uma aplicação financeira comum, integrante do patrimônio. “Atribuir de forma absoluta o caráter de indenização securitária aos valores constantes do fundo poderia dar ensejo a que a parte destinasse grande parte de seu patrimônio, violando a legítima dos herdeiros necessários, a beneficiário que não poderia ser de outra forma contemplado”, afirma o magistrado.
Em outro julgado (2011776-70.2017.8.26.0000) do TJ-SP, os desembargadores da 6ª Camara de Direito Privado decidiram que os saldos de dois VGBLs devem integrar, sim, o plano de partilha. A decisão foi baseada nas regras da sucessão hereditária, prevista no Código Civil.
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Inventário – Planos de previdência privada VGBL – Inclusão em partilha – Contratação se deu quando a falecida já contava com mais de oitenta anos de idade – Valores depositados que, no caso, possui feição de ativo financeiro – Saldo dos planos que devem integrar a partilha – Colação de doações efetuadas aos herdeiros-agravados – Necessidade – Inexistência de cláusula de dispensa de colação seja no testamento seja no ato de liberalidade – Obrigatoriedade da colação nos termos do art. 2.002 e sgs. do CC – Valor da colação que deverá observar o disposto no art. 2.004 e deve ser atualizado até a data da abertura da sucessão – Decisão reformada nesse ponto, mantendo-se, contudo, o indeferimento no que toca à realização de avaliações judicial e contábil a fim de se apurar o valor atribuído pela inventariante ao bem imóvel e ao crédito que aludem as primeiras declarações – Recurso parcialmente provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2011776-70.2017.8.26.0000; Relator (a): José Roberto Furquim Cabella; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Piracicaba – 2ª. Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 28/09/2017; Data de Registro: 29/09/2017)
Sendo assim, ao contratar uma previdência privada com fins sucessórios deve-se avaliar a quantidade de patrimônio transferido, para que no futuro, no caso de falecimento, ao invés de facilitar o processo sucessório, ser mais um item de conflito entre os herdeiros.
Autor: Diego Viscardi