SUCESSÃO DO CÔNJUGE CASADO SOB O REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS – CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTES
No direito de família e sucessões, no tocante a separação do patrimônio entre os cônjuges existe a possibilidade dos mesmos escolherem o regime da separação de bens prevista no artigo 1687 do Código Civil. Por esse regime cada cônjuge permanecerá no controle e administração de seus bens, podendo inclusive alienar e gravar de ônus reais qualquer ativo de seu acervo.
Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.
Firmado a separação de bens, em caso de divórcio cada cônjuge continuará com seu patrimônio, não havendo comunicabilidade e meação. Isso é fato, e não há questionamentos e dúvidas. Cada cônjuge ficará com a titularidade de seu patrimônio, não havendo nenhuma divisão.
Entretanto, em caso de falecimento do cônjuge como ficaria a questão da sucessão e partilha dos bens?
Esse tema gerou questionamentos judiciais, haja vista que pelo teor da legislação não existe uma segurança jurídica. A grande celeuma recaiu no fato de considerar o cônjuge sobrevivente casado sob o regime da separação convencional herdeiro necessário ou não. Se considerado herdeiro necessário terá direito a participação na herança, conforme entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo:
Agravo de instrumento Inventário Exclusão da agravante como herdeira necessária Insurgência O cônjuge supérstite é considerado herdeiro necessário, ainda que casado no regime de separação convencional de bens Artigos 1.829, inciso III e 1.845 –Recurso provido. (AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 2031343-29.2013.8.26.0000).
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Inventário – Decisão reconhecendo a viúva como herdeira necessária, ainda que tenha sido casada sob o regime da separação convencional de bens. Inconformismo do herdeiro, defendendo que os cônjuges tiveram a oportunidade de alterar o regime que escolherem, livremente, para o casamento, mas assim não procederam, ainda que o matrimônio tenha perdurado por 23 anos. Decisão mantida – Aplicação do quanto disposto no artigo 1829, I, do Código Civil – Entendimentos do STJ reconhecendo a qualidade de herdeiro do cônjuge sobrevivente quando casado sob a égide da separação convencional – Pacto antenupcial, ademais, que não produz efeitos após a morte – Recurso improvido. (Relator(a): José Joaquim dos Santos; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 22/11/2016; Data de registro: 23/11/2016)
Por outro lado, no mesmo Tribunal existiu a divergência de ser ou não o cônjuge herdeiro necessário. Todavia, tal divergência já foi superada.
Agravo de instrumento – Inventário – Pedido de habilitação da cônjuge, casada sob o regime da separação convencional de bens, como herdeira – Decisão que indeferiu o pedido – Alegação de que o art. 1.829, inciso I, do CC não exclui da sucessão hereditária o cônjuge supérstite casado sob o regime da separação convencional de bens, não podendo ser dada aplicação extensiva à lei – Descabimento – Exegese do preceptivo que não pode se resumir à sua literalidade, devendo ser sopesado com o contexto que é dado ao instituto pelo ordenamento jurídico – Agravante que, consciente e volitivamente, escolheu não constituir com o de cujus um patrimônio comum, casando sob o regime da separação convencional de bens – Impossibilidade de alteração do regime e, consequentemente, de seus efeitos jurídicos post mortem – Exclusão da sucessão legítima que se aplica também ao cônjuge casado sob o regime da separação convencional (ou consensual) de bens – Precedentes do STJ e desta Corte – Decisão mantida – AGRAVO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 2056783-27.2013.8.26.0000).
Entretanto, atualmente é pacifico o entendimento que o cônjuge casado sob o regime da separação convencional de bens é herdeiro necessário, fazendo jus a concorrência com os descendentes, nos termos do artigo 1.829, I do Código Civil.
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
Neste sentido é consolidado o entendimento no STJ:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE. HERDEIRO NECESSÁRIO. ART. 1.845 DO CC⁄2002. REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTE. POSSIBILIDADE. ART. 1.829, I, DO CC. SÚMULA N. 168⁄STJ. A atual jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de que o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação convencional de bens ostenta a condição de herdeiro necessário e concorre com os descendentes do falecido, a teor do que dispõe o art. 1.829, I, do CC⁄2002, e de que a exceção recai somente na hipótese de separação legal de bens fundada no art. 1.641 do CC⁄2002.Tal circunstância atrai, no caso concreto, a incidência do Enunciado n. 168 da Súmula do STJ.Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EREsp 1472945⁄RJ, Relator o Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, DJe de 29⁄06⁄2015)
CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE. HERDEIRO NECESSÁRIO. ART. 1.845 DO CC. REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTE. POSSIBILIDADE. ART. 1.829, I, DO CC O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do Código Civil). No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto ao regime da separação legal de bens prevista no art. 1.641 do Código Civil. Interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil. Recurso especial desprovido. (REsp n. 1.382.170⁄SP, Relator o Ministro MOURA RIBEIRO, Relator para o acórdão o Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe de 26⁄5⁄2015).
No mesmo sentido:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. INVENTÁRIO E PARTILHA. REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO CONVENCIONAL. PACTO ANTENUPCIAL POR ESCRITURA PÚBLICA. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. CONCORRÊNCIA NA SUCESSÃO HEREDITÁRIA COM DESCENDENTES. CONDIÇÃO DE HERDEIRO. RECONHECIMENTO. EXEGESE DO ART. 1.829, I, DO CC⁄02. AVANÇO NO CAMPO SUCESSÓRIO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL.O art. 1.829, I, do Código Civil de 2002 confere ao cônjuge casado sob a égide do regime de separação convencional a condição de herdeiro necessário, que concorre com os descendentes do falecido independentemente do período de duração do casamento, com vistas a garantir-lhe o mínimo necessário para uma sobrevivência digna.O intuito de plena comunhão de vida entre os cônjuges (art. 1.511 do Código Civil) conduziu o legislador a incluir o cônjuge sobrevivente no rol dos herdeiros necessários (art. 1.845), o que reflete irrefutável avanço do Código Civil de 2002 no campo sucessório, à luz do princípio da vedação ao retrocesso social. O pacto antenupcial celebrado no regime de separação convencional somente dispõe acerca da incomunicabilidade de bens e o seu modo de administração no curso do casamento, não produzindo efeitos após a morte por inexistir no ordenamento pátrio previsão de ultratividade do regime patrimonial apta a emprestar eficácia póstuma ao regime matrimonial. O fato gerador no direito sucessório é a morte de um dos cônjuges e não, como cediço no direito de família, a vida em comum. As situações, porquanto distintas, não comportam tratamento homogêneo, à luz do princípio da especificidade, motivo pelo qual a intransmissibilidade patrimonial não se perpetua post mortem. O concurso hereditário na separação convencional impõe-se como norma de ordem pública, sendo nula qualquer convenção em sentido contrário, especialmente porque o referido regime não foi arrolado como exceção à regra da concorrência posta no art. 1.829, I, do Código Civil. O regime da separação convencional de bens escolhido livremente pelos nubentes à luz do princípio da autonomia de vontade (por meio do pacto antenupcial), não se confunde com o regime da separação legal ou obrigatória de bens, que é imposto de forma cogente pela legislação (art. 1.641 do Código Civil), e no qual efetivamente não há concorrência do cônjuge com o descendente. Aplicação da máxima de hermenêutica de que não pode o intérprete restringir onde a lei não excepcionou, sob pena de violação do dogma da separação dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal de 1988). O novo Código Civil, ao ampliar os direitos do cônjuge sobrevivente, assegurou ao casado pela comunhão parcial cota na herança dos bens particulares, ainda que os únicos deixados pelo falecido, direito que pelas mesmas razões deve ser conferido ao casado pela separação convencional, cujo patrimônio é, inexoravelmente, composto somente por acervo particular. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.472.945⁄RJ, Relator o Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 19⁄11⁄2014);
CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE. HERDEIRO NECESSÁRIO. ART. 1.845 DO CC. REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTE. POSSIBILIDADE. ART. 1.829, I, DO CC. O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do Código Civil). No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto ao regime da separação legal de bens prevista no art. 1.641 do Código Civil. Interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil. Recurso especial desprovido. (REsp n. 1.430.763⁄SP, Relatora a Ministra NANCY ANDRIGHI, Relator para acórdão o Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, DJe de 2⁄12⁄2014).
Em análise do artigo 1829, I, do Código Civil, destaca Mauro Antonini, no Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, ed. Manole que:
“uma vez que o inciso I exclui a concorrência no regime da separação obrigatória de bens, sem mencionar a separação convencional, passou-se a entender na doutrina que, sendo convencional, o cônjuge concorre à herança em todos os bens. Mantém-se, assim, a coerência com a regra geral enunciada: na separação convencional todos os bens são particulares, de modo que o viúvo não tem a meação a resguardá-lo, devendo ser deferida cota hereditária para protegê-lo.”
Tal entendimento fundamenta-se que o artigo 1.829, I, do Código Civil em nenhum momento excluiu o regime da separação convencional da condição de herdeiro, não podendo o julgador estender o entendimento da norma.
Sendo assim, segue abaixo exemplo:
CASAMENTO – REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS
EXEMPLO PRÁTICO – PATRIMÔNIO PARTICULAR: 4.000 – FAMÍLIA: MARIDO – ESPOSA – 02 FILHOS
- Formalizado o regime da separação convencional de bens ocorrerá a formação de somente um bloco de patrimônio.
- Não existirá bens comuns, haja vista que todo patrimônio será de titularidade de quem adquiri-lo. Existirá somente bens particulares;
- No falecimento o cônjuge sobrevivente será herdeiro e concorrerá com os filhos nos bens particulares;
- Não há meação.
REGRA ART. 1.829, I
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
DIVISÃO PATRIMÔNIO
Meação Cônjuge: não há meação
Herança Cônjuge: 1.333 – divisão bens particulares
Filho 1 1.333 – divisão bens particulares
Filho 2 1.333 – divisão bens particulares
OBS: Neste caso, como foi escolhido o regime da separação convencional de bens o cônjuge sobrevivente possui direito de participar da sucessão referente aos bens particulares, haja vista a não existência de bens comuns e meação. Os bens particulares entre o cônjuge sobrevivente e descendentes serão distribuídos de forma igualitária.
Autor: Diego Viscardi
Boa tarde, tenho uma dúvida? Se eu fizer minha holding familiar, colocando meus dois filhos cada um com 1% de capital. Quando eu morrer minha esposa terá meação nessa holding? Ela participará e me sucederá na empresa? Obrigado antecipadamente.
Cleber,
A depender do regime de casamento a esposa terá meação ou herança. O cônjuge é herdeiro necessário, então caso não receba meação irá concorrer com os filhos na herança.
Att,
Diego Viscardi
Boa noite , tendo uma holding familiar , já tendo feito a doação de 100% das cotas aos filhos e tendo união estável com separação convencional de bens , para efeitos de herança , a companheira tem algum direito sucessório ?
Sérgio,
Caso a doação tenha abrangido a totalidade do patrimônio, em eventual falecimento do doador a companheira pode questionar a doação pois ultrapassou a legítima dos herdeiros necessários, que no caso engloba a companheira.
Att,
Diego Viscardi
Boa tarde, no caso de união estável, por não ter especificado a divisão dos bens, a mesma é parcial.
Em caso de falecimento do companheiro que colocou todos os bens (herança que recebeu dos pais quando já estava com a companheira) em holding familiar e tenha dado 100% das cotas aos filhos, a companheira tem direito aos bens? Mesmo sendo herança do país do falecido que foi passada aos filhos?
Lohayne,
Sem analisar os documentos de como foi o recebimento dessa herança, e principalmente o contrato social da holding, a resposta fica prejudicada. Entretanto, em termos gerais quer me parecer que para constituição da empresa é necessária a autorização da companheira, bem como para doação.
O fato de ser herança recebida é indiferente, pois a herança é um bem particular, e o companheiro é herdeiro dos bens particulares.
Att,
Diego Viscardi
Não existe documento, esse é o tema da minha monografia kkk, estou tentar blindar o patrimônio particular de cônjuge em regime de separação parcial de bens de forma que o mesmo consiga dispor de seus bens particulares em vida