
NOVA TURMA (MAIO 2025) – Curso: Holding Familiar – Vantagens Tributárias, Planejamento Sucessório e Proteção Patrimonial
7 de março de 2025No apagar das luzes do recesso forense em dez/24 ao julgar a Apelação nº 1089011-58.2023.8.26.0053 e recentemente em fev/25 na Apelação nº 1087688-18.2023.8.26.0053, o TJ/SP entendeu ser devido o ITCMD – Imposto Transmissão Causa Mortis e Doação em operações de distribuição desproporcional de lucros, baseando a cobrança meramente pela ausência de propósito negocial.
Cabe destacar que os fundamentos que embasaram a cobrança são verdadeiras afrontas aos princípios constitucionais brasileiros. Mas antes de ingressar nas premissas equivocadas, importante tecer comentários sobre a matriz de incidência do tributo. O ITCMD possui como fato gerador as transmissões não onerosas, seja em vida, como, por exemplo, a doação, seja em caso de falecimento. Com foco nas transmissões em vida, para traçar o paralelo do absurdo das decisões do TJ/SP, cabe destacar que na doação, destacam-se dois elementos constitutivos: objetivo e subjetivo. Elemento subjetivo é a manifestação de vontade de efetuar liberalidade. Elemento objetivo é a diminuição de patrimônio do doador que se agrega ao ânimo de doar. Ou seja, para que um ato seja considerado doação, é necessária a manifestação de vontade do doador em transferir parte ou integralidade de seus bens, direitos ou vantagens, com a consequente diminuição de seu patrimônio e o incremento desse patrimônio para o donatário.
Entretanto, de forma incorreta, esquecendo os elementos objetivos e subjetivos da doação, em uma das decisões o acórdão abordou e fundamentou a cobrança do ITCMD pela ausência da justificativa negocial passível de comprovação. Merece destaque o seguinte trecho: “Ora, ainda que a legislação permita que os sócios definam no contrato a hipótese de distribuição desproporcional de dividendos/lucros, fato é que deve haver uma razão negocial para tanto, sob pena de se caracterizar como mera liberalidade, característica intrínseca da operação de doação.
O que chama atenção do trecho acima é a expressão “que deve haver uma razão negocial para tanto”. A pergunta que obrigatoriamente se faz é: O que é entendido pelo fisco ou mesmo pelo TJ/SP como “razão negocial para tanto”?
Certamente os sócios, que estão dentro da empresa e que sabem da necessidade do negócio, possuem uma visão muito diferente do fisco para esse conceito de razão negocial. Ao decidir e permitir a cobrança do ITCMD com fundamento nesses termos vagos e simplórios, o TJ/SP dá ao fisco um cheque em branco para considerar distribuições de lucros como operações de doação, fazendo incidir ITCMD em operações desprovidas de qualquer tipo de gratuidade, gratuidade essa que é pedra angular do fato gerador que faz nascer a obrigação tributária.
Além disso, as decisões do TJ/SP afrontam à própria regra prevista no CC, que permite aos sócios deliberarem a distribuição desproporcional de lucros, desde que tal faculdade esteja prevista expressamente no contrato social. Essa prática já foi, inclusive, validada pela SEFAZ/SP por meio da Resposta à Consulta Tributária 20952M1/2019, de 16/05/2020, que de forma expressa, entendeu que a operação não era fato gerador de ITCMD. Nos termos da Resposta e de forma correta à época, foi interpretado que o artigo 1.007 CC possibilita aos sócios definirem outra forma de participação nos resultados da sociedade que não a proporcional ao percentual de quotas do capital que cada um detenha, e uma vez sendo permitido pela legislação ordinária, o instituto da distribuição desproporcional não se confunde com doação, na medida em que não se pode presumir a existência de ânimo de liberalidade nesse tipo de transferência patrimonial.
Uma distribuição desproporcional pode ocorrer por diversos motivos. Cabe somente aos sócios definirem, e não ao ente público, e nem mesmo a qualquer Tribunal de Justiça a razão dessa desproporcionalidade – a decisão é estritamente privada. Diversos são os motivos que podem ensejar uma distribuição desproporcional, como, por exemplo, um bônus e incentivos aos sócios por aumento de faturamento decorrente de sua atuação, acertos societários em reestruturação de empresas, ajustes contábeis, dentre outros. Essas seriam justificativas plausíveis? Seriam razões negociais? Além disso, e se os sócios decidirem não distribuir desproporcionalmente o lucro, mas sim, fazerem um reinvestimento na própria empresa, ou uma conversão em capital social, estariam fazendo uma doação para si mesmos ou para própria empresa? Obviamente que não, o que somente comprova a abusividade da interpretação do fisco e infelizmente referendada pelo TJ/SP.
Em outras palavras, essas decisões cabem aos sócios e não ao fisco ou a qualquer Tribunal. Ao julgar desta forma o TJ/SP permite um avanço perigoso na interpretação da lei. Permite ao fisco, a seu bel prazer, configurar situações do dia a dia societário como fato gerador de tributo, aumentando a já saturada carga tributária. Ao permitir a cobrança o TJ/SP concede um poder agressivo e abusivo para o fisco, sendo uma ingerência governamental na vida privada societária.
Em conclusão, a decisão do TJ/SP é um verdadeiro prêmio ao fisco, que na ânsia arrecadatória, vai totalmente na contramão da simplificação defendida inclusive pela Reforma Tributária promulgada, pois, decisões nesse sentido, causarão ainda mais insegurança jurídica no sistema tributário, e por consequência, é um dos pontos que gerarão demandas judiciais por parte dos contribuintes, sobrecarregando ainda mais o já sobrecarregado Poder Judiciário.
Autor: Diego da Silva Viscardi. Advogado.