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A inconstitucionalidade do Valor Venal de Referência para fins de recolhimento do ITBI

O ITBI – Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, exceto em algumas situações específicas, incide sobre a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso: de bens imóveis, por natureza ou acessão física; de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia e as servidões; e sobre a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis.

Assim, basicamente em toda operação onerosa, seja compra e venda, permuta, cessão de direitos e até mesmo na integralização de capital social em uma pessoa jurídica, quando essa pessoa jurídica tiver como atividade preponderante receita imobiliária, será devido o ITBI.

Quanto à base de cálculo de ITBI, cabe salientar que é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado. Essa é a regra, ou seja, a base de cálculo será o valor da negociação, leia-se escritura, arrematação, integralização, entre outras operações ou o valor venal para fins de IPTU, o que for maior.

Entretanto, algumas prefeituras, a exemplo de São Paulo, criaram um outro parâmetro, e instituíram como base de cálculo para fins de ITBI o VALOR VENAL DE REFERÊNCIA, uma base de cálculo diferente do valor venal para fins de IPTU. Válido frisar que, muitas vezes o Valor Venal de Referência é maior que o valor da própria negociação, ou seja, em verdadeira afronta a base constitucional da incidência tributária.

Diante desse fato o Tribunal de Justiça de São Paulo, em diversos acórdãos, em benefício do contribuinte, já considerou o Valor Venal de Referência inconstitucional, sob o fundamento que, conforme   disciplina   o   artigo   38   do   Código Tributário Nacional, a base de cálculo do ITBI é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. Este valor venal é fixado por Lei Municipal e aplicável a todos os impostos que  o  adotam,  não  sendo  possível  admitir  que outro valor seja estabelecido, pois, de acordo com os artigos 9º, I, do CTN, e 150,I, da Constituição Federal, a majoração de impostos somente poderá ocorrer em virtude de lei. O IPTU onera a propriedade do imóvel, enquanto o ITBI onera a transmissão desta mesma propriedade, não havendo qualquer lógica em se admitir dois valores venais distintos para um mesmo imóvel.

Ainda fundamenta o Tribunal que se o  valor  venal  adotado  pelo Fisco  para  efeito  de  IPTU  encontra-se  defasado  em  relação  ao  “valor  de mercado”,  o  único  caminho  possível  seria  o  da  revisão  da  Planta  Genérica  de Valores,  alterando-se  os  valores  unitários  de  metro  quadrado  de  construção  em seus vários tipos e classes, de forma igual para todos os contribuintes, alterando-se,  assim,  a  base  de  cálculo  do  ITBI  e  do  IPTU.  A municipalidade, ao adotar valores  “ad  doc” como  base  de  cálculo  do  ITBI,  por  meio  diverso,  baseada  em  parâmetros estabelecidos por ela própria, infringi o princípio da legalidade, segundo o qual, apenas a lei pode estabelecer nova base de cálculo para tributos, nos termos do art. 97, inciso II, § 1º, da Constituição Federal. Portanto, a base de cálculo do ITBI é a constante do IPTU ou o valor da transação, o que for maior, não se admitindo  que  a  Municipalidade  apresente  um  terceiro  valor, apurado administrativamente, sem qualquer fundamento legal.

Vários são os julgados que comprovam a tese em favor dos contribuintes:

APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO – Mandado de segurança – ITBI – Município de São Paulo – Cabimento do recolhimento do imposto com base no valor da transação ou do valor venal atribuído no IPTU, prevalecendo o maior entre os dois – Impossibilidade de aplicação da Lei nº 11.154/91 com redação dada pela Lei nº 14.256/2006 e Decreto Municipal 51.627/2010 – Base de cálculo apurada segundo coleta de amostras de transações e ofertas de venda de imóveis pelo Poder Executivo – Majoração de tributo sem exame do Poder Legislativo – Violação do princípio da legalidade em matéria tributária consagrado no artigo 150, inciso I da Constituição Federal e 97, inciso IV do Código Tributário Nacional – Precedentes deste Eg. Tribunal de Justiça – Fato gerador que se opera com o registro da transferência do imóvel junto ao CRI – Interpretação dos artigos 35 do CTN e 1245 do Código Civil – Não incidência de encargos moratórios (juros e multa) antes do respectivo registro – Sentença mantida – Recursos oficial e voluntário do Município não providos.  (TJSP;  Apelação / Remessa Necessária 1015201-89.2019.8.26.0053; Relator (a): Raul De Felice; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 1ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 10/10/2019; Data de Registro: 10/10/2019)

MANDADO DE SEGURANÇA – BASE DE CÁLCULO DO ITBI – Deve ser calculado sobre o valor do negócio jurídico realizado ou sobre o valor venal do imóvel para fins de IPTU, aquele que for maior, afastando o “valor de referência” – Constitucionalidade do artigo 7° da Lei Municipal de São Paulo n. 11.154/91, reconhecida pelo Órgão Especial deste Tribunal na Arguição de Inconstitucionalidade n. 0056693-19.2014.8.26.0000; Circunstâncias em que, na oportunidade do julgamento do referido incidente foi pronunciada a inconstitucionalidade somente dos artigos 7°-A, 7° -B e 12, da Lei n. 11.154/91 – Ilegalidade da apuração do valor venal como previsto no Decreto Municipal 51.627/2012 – Ofensa ao principio da legalidade tributária, artigo 150, inciso I da CF – Precedentes – Recursos Improvidos.   (TJSP;  Apelação / Remessa Necessária 1018313-66.2019.8.26.0053; Relator (a): Burza Neto; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 13ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 09/10/2019; Data de Registro: 09/10/2019).

APELAÇÃO – Mandado de Segurança – ITBI – Pretensão de recolhimento do tributo com base no valor da arrematação do imóvel – Possibilidade – Base de cálculo para apuração do ITBI é o valor da arrematação – Fato gerador que ocorre no momento do registro da carta de arrematação – Impossibilidade de incidência de encargos moratórios antes do registro – Sentença reformada para conceder a segurança e autorizar o recolhimento do ITBI com base no valor da arrematação, sem incidência de juros e multa, com observação quanto à incidência da correção monetária – Recurso provido.  (TJSP;  Apelação Cível 1053492-95.2018.8.26.0053; Relator (a): Rezende Silveira; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 2ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 08/10/2019; Data de Registro: 08/10/2019)

Além da tese ser aplicada para contribuintes que irão recolher o tributo, mediante Mandado de Segurança, pode-se também aplicar para contribuintes que já tenham recolhido o tributo calculado sobre o Valor Venal de Referência, mas que deveriam ter recolhido sobre o valor venal de IPTU. Assim, mesmo contribuintes que tenham já recolhido o tributo, seja em uma operação de compra e venda, arrematação em leilão, permuta, integralização de capital social, dentre outras, podem socorrer-se do Judiciário para reembolso de valores. Nestes casos, necessário ajuizamento de ação de repetição de indébito. Nessa ação será pedido o reembolso dos valores recolhidos a maior. O Tribunal de Justiça de São Paulo vem julgando nesse sentido a favor dos contribuintes:

APELAÇÃO – AÇÃO ORDINÁRIA – ITBI – Município de São Paulo – Pretendida repetição dos valores recolhidos a maior – Possibilidade – Irregularidade na exigência do imposto – Legislação municipal que embasa a cobrança foi declarada inconstitucional pelo Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça – Sentença mantida – RECURSO IMPROVIDO.  (TJSP;  Apelação Cível 1007239-15.2019.8.26.0053; Relator (a): Rodrigues de Aguiar; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 8ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 08/10/2019; Data de Registro: 08/10/2019)

Ação de Repetição de Indébito – Circunstâncias em que a autora, sobre os imóveis que lhe foram transmitidos, recolheu o ITBI conforme tabela de “Valores Venais de Referência”, nos termos do artigo 7°A, da Lei n° 11.154-9, que foi declarada inconstitucional – Pretensão à restituição, tendo em vista ter recolhido o valor a maior – Ocorrência – BASE DE CÁLCULO DO ITBI – deve ser calculado sobre o valor do negócio jurídico realizado ou sobre o valor venal do imóvel para fins de IPTU, aquele que for maior, afastando o “valor de referência” – Constitucionalidade do artigo 7° da Lei Municipal de São Paulo n. 11.154/91, reconhecida pelo Órgão Especial deste Tribunal na Arguição de Inconstitucionalidade n. 0056693-19.2014.8.26.0000; Circunstâncias em que, na oportunidade do julgamento do referido incidente foi pronunciada a inconstitucionalidade somente dos artigos 7°-A, 7° -B e 12, da Lei n. 11.154/91 – Ilegalidade da apuração do valor venal como previsto no Decreto Municipal 51.627/2012 – Ofensa ao principio da legalidade tributária, artigo 150, inciso I da CF – Precedentes – Correção monetária e Juros moratórios – Adequação nos termos do julgado das ADIs nº 4357 e nº 4425 – Recurso parcialmente provido. (TJSP;  Apelação / Remessa Necessária 1063179-96.2018.8.26.0053; Relator (a): Burza Neto; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 14ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 03/10/2019; Data de Registro: 03/10/2019)

Assim, diante da referida inconstitucionalidade, o contribuinte tem a seu favor duas possibilidades: o questionamento judicial mediante Mandado de Segurança, antes da operação, reduzindo de forma substancial o valor final da transação; ou, após a transação, solicitar via ação judicial de repetição de indébito, o reembolso do valor que foi pago a maior. Em ambas as situações, as ações judiciais visam adequar a legalidade o recolhimento do tributo, uma vez que o objetivo é tão somente recolher o tributo considerando uma base de cálculo justa e dentro da legalidade.

Autor: Diego Viscardi

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