Muito tem se falado acerca da decisão do RE 796.376, que fixou a tese no sentido que “A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.”
O assunto é totalmente relacionado as questões de constituição de holdings familiares, patrimoniais, imobiliárias utilizadas para fins de planejamento sucessório, patrimonial e tributário.
Em uma análise fria acerca da tese, quer me parecer que todo valor do imóvel que superar o limite do capital social a ser integralizado será devido o ITBI. Todavia, uma análise mais profunda do tema impede tal entendimento. Pois bem.
O ITBI é um tributo de competência municipal, que tem como fato gerador a transmissão, ‘‘inter vivos’’, a qualquer título, de propriedade ou domínio útil de bens imóveis. A questão da não incidência em integralizações de imóveis é regulada pelo artigo 156, § 2ª da Carta Magna.
2º – O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Neste sentido, relevante destacar os dizeres insertos no Código Tributário Nacional acerca da caracterização da atividade preponderante, mormente no artigo 37, §§§ 1º, 2º, 3º a seguir descritos:
Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.
2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.
3º Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.
Na interpretação da CF e CTN tem-se que a regra constitucional e legal é de não incidência. A exceção que enseja incidência do ITBI, somente ocorre quando fica demonstrada, pelo ente tributante, que a atividade exercida pela contribuinte seja preponderantemente imobiliária.
Entretanto, isso não foi o demonstrado pelo julgado do STF e destacado pelo Ministro Alexandre de Moraes, no voto vencedor, pois embasado em uma doutrina minoritária do ilustre professor Kiyoshi Harada, entendeu que “a incorporação de bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, que está na primeira parte do inciso I do § 2º, do art.156 da CF/88, não se confunde com as figuras jurídicas societárias da incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas referidas na segunda parte do referido inciso I”.
Destacou ainda que, “a segunda oração contida no inciso I – “ nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” – revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão “nesses casos” não alcança o “outro caso” referi do na primeira oração do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF. Ou seja, a exceção prevista na parte final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte desse inciso”.
Destacou ainda que “as hipóteses excepcionais ali inscritas não aludem à imunidade prevista na primeira parte do dispositivo. Esta é incondicionada, desde que, por óbvio, refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito”.
Ou seja, no entendimento acima, antes mesmo de ingressar na análise da cobrança de ITBI sobre ágio/reserva de capital ou mesmo diferença de valores, o ilustre Ministro destacou que o valor utilizado para integralização de capital, em qualquer tipo de empresa, inclusive de empresas com atividade preponderante imobiliária é indevido a cobrança de ITBI, sendo uma tese contrária da jurisprudência até o momento, que sempre utilizou como parâmetro a cobrança de ITBI quando a empresa possui a atividade preponderante imobiliária.
TRIBUTÁRIO – APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – ITBI – MUNICÍPIO DE OLÍMPIA. Insurgência contra a r. sentença que concedeu a ordem. Apelo do Município. INTEGRALIZAÇÃO DE IMÓVEIS AO CAPITAL SOCIAL – IMUNIDADE NOS TERMOS DO ARTIGO 156, §2º, I DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. Pretensão de reconhecimento da imunidade do ITBI de sociedade recém-constituída – Aplicabilidade do art. 37, §2º, do Código Tributário Nacional – Incidência do tributo sujeita a condição temporal – Precedentes desta C. Câmara – Possibilidade de lançamento complementar ao fim do período de três anos da aquisição dos imóveis – Necessidade, contudo, de comprovação contábil da preponderância da atividade imobiliária – No caso dos autos, o contrato social da empresa, com a descrição dos imóveis a serem adquiridos para a integralização de capital, foi registrado em 21/11/2019 na Junta Comercial, que é a data inicial do prazo trienal a ser observado antes do lançamento do ITBI. Sentença mantida – Recurso desprovido – Reexame necessário realizado, mantido o dispositivo. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1001032-89.2020.8.26.0400; Relator (a): Eurípedes Faim; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Olímpia – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 07/08/2020; Data de Registro: 07/08/2020).
APELAÇÃO – AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – ITBI – Pretensão à concessão de imunidade de ITBI diante da transmissão de bem imóvel para a integralização de capital social – Sentença de procedência – Pleito de reforma da sentença – Não cabimento – Imóvel transferido para a composição de capital social de empresa recém criada – Imunidade que é concedida à empresa que não tem como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição – Verificação da atividade preponderante da apelada que deve considerar os 03 (três) anos seguintes à aquisição dos bens – Empresa que permaneceu inativa desde a sua constituição – Fato que não induz à atividade preponderante que autorizaria a cobrança do tributo – Sentença mantida – APELAÇÃO e REEXAME NECESSÁRIO não providos. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1022171-53.2018.8.26.0114; Relator (a): Kleber Leyser de Aquino; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Campinas – 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 23/07/2020; Data de Registro: 23/07/2020)
Outro ponto analisado, no caso concreto a sociedade possuía como capital social o valor de 24 mil, e integralizou imóveis pelo valor aproximado de 800 mil, sendo destacado, no próprio instrumento societário e em sua contabilidade o valor aproximado de 775 mil como ágio de subscrição de capital/reserva de capital. O STF entendeu que, é passível a cobrança do ITBI sobre essa diferença, sendo destacado que “não se admite , a pretexto de criar-se uma reserva de capital, pretenda-se imunizar o valor dos imóveis excedente às quotas subscritas, ao arrepio da norma constitucional e em prejuízo ao Fisco municipal”.
Nesse sentido, no meu entendimento o que está sendo tributado é a diferença entre o valor integralizado e o valor declarado e contabilizado como ágio/reserva de capital, tão somente essa diferença.
Entretanto, de forma sorrateira, algumas Prefeituras, antes mesmo da decisão do STF e agora provavelmente de forma mais agressiva, entendem que a diferença passível de cobrança é o valor utilizado para integralização versus o valor de avaliação que as prefeituras possuem sobre os imóveis, sejam valores venais de referência, valores venais de IPTU, ou em caso de imóveis rurais os valores constante da Declaração de ITR. Por exemplo, se determinada pessoa detém em sua DIRPF um imóvel declarado pelo valor de 100 mil e decide pela integralização desse imóvel em uma empresa, seja com qualquer objeto social, e entrega esse imóvel pelo mesmo valor de 100 mil a título de capital, não importa que o imóvel seja avaliado pela prefeitura pelo valor de 500 mil, aqui, não houve qualquer ágio de subscrição/reserva de capital, e consequentemente essa diferença não deve ser entendida como passível de incidência de ITBI. Em nenhum momento no ato societário e consequentemente na contabilidade da empresa está sendo contabilizado ágio/reserva de capital.
O caso concreto e o exemplo acima citado, são situações totalmente distintas, uma vez que a origem da discussão e a validação do STF se deu sobre a cobrança de ágio/reserva de capital, e não a diferença de valor integralizado versus valor avaliado pelas prefeituras. Entretanto, possivelmente não será esse entendimento adotado.
Em conclusão, a incerteza tributária acerca do assunto irá continuar, pois se abriu um novo entendimento acerca da não incidência desconsiderando a atividade preponderante da empresa e ao mesmo tempo não deixou claro que a cobrança validada é sobre o ágio de subscrição/reserva de capital. Assim, criou-se uma “verdadeira salada jurídica” no entendimento acerca da incidência ou não incidência de ITBI nas integralizações de imóveis. Alguns questionamentos certamente surgirão, como, por exemplo, (i) a empresa que teve o pagamento de ITBI em operação anterior, pois teve a atividade preponderante, pode pedir a restituição embasada nesse novo entendimento? (ii) novas integralizações, as prefeituras não irão cobrar o ITBI sobre o valor utilizado para capital independentemente da atividade preponderante? (iii) qual é a diferença que as prefeituras vão tributar – somente quando ocorrer ágio de subscrição/reserva de capital, ou qualquer diferença entre custo historio e valor de IPTU/ITR? (iv) as operações anteriores, as prefeituras poderão cobrar o ITBI caso seja pacificado que a diferença mencionada no julgado não é restrita somente ao ágio/reserva de capital?
É sentar e esperar o desfecho. No meu entendimento é mais uma oportunidade perdida para pacificação do assunto, pois uma decisão nesse sentido tem potencial de propiciar mais questionamentos do que soluções, sendo necessário nas constituições de holdings familiares, seja de qualquer tipo e forma, ponderar junto aos clientes que mesmo diante, ao meu ver, de um absurdo jurídico, a eventual necessidade do recolhimento do ITBI nas operações.
Autor: Diego Viscardi
Excelente artigo. Mais uma problema que o Brasil cria pra si e para a população com decisões tão estranhas.
Allex,
Exatamente. Uma decisão estranha que está trazendo vários impactos em planejamentos sucessórios e reestruturações societárias.
Att,
Diego
Bom dia, Dr. Diego,
atualmente diante deste tratamento “sorrateiro” pelas prefeituras, inclusive aqui em Cruz Alta/RS,
é possível informar se já existem decisões e liminares, remédios jurídicos bloqueando estas cobranças
indevidas de ITBI??
Carlos,
Atualmente os julgados são desfavoráveis aos contribuintes. O que pode ser feito são estruturas ou aplicações de outras teses jurídicas para diminuir o impacto fiscal desse tributo.
Att,
Diego Viscardi